BC preserva credibilidade mesmo sem cumprir meta de inflação, dizem economistas
Autoridade monetária, no entanto, pode colocar reputação em jogo se não conseguir ancorar expectativas
Por Larissa Garcia
Apesar da grande probabilidade de descumprir a meta de inflação por dois anos consecutivos – e com um terceiro sob risco -, o Banco Central (BC) deve manter sua credibilidade, segundo economistas. Isso porque boa parte da pressão sobre os preços vem de fatores para os quais a política monetária não faz efeito.
Nesse cenário, sua atuação se restringe a acomodar efeitos secundários e a evitar que a alta se propague para os próximos anos.
“Depende mais das ações da autoridade monetária do que dos resultados, que podem ser afetados por fatores completamente fora do controle do Copom, como os de choque de oferta. Apesar da alta chance de a inflação ficar dois anos consecutivos acima do teto da meta, o importante é que estamos no ciclo de aperto monetário”, avalia Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse Brasil.
“A sinalização e as ações do BC tentando evitar contaminação da dinâmica dos demais preços da economia pelos choques de oferta é de compromisso com as metas de inflação. A credibilidade estaria em risco, por exemplo, em um cenário onde a autoridade monetária deixa de utilizar os seus instrumentos mesmo quando a inflação continua surpreendendo e apontando divergir da meta”, complementa.
O economista da MAG investimentos Felipe Rodrigo de Oliveira concorda com a visão de que a alta de preços é proveniente de choques de oferta e é um fenômeno global. “Isso tira um pouco a responsabilidade do BC porque fica fora do alcance. Mas vemos as expectativas de 2024 acima do centro da meta, e isso não tem relação com o curto prazo, mas com a capacidade de ancorar.” Oliveira pondera que, em alguns momentos, a comunicação do BC foi confusa e pode ter tirado parte da potência da política monetária. “Lá atrás, o Copom [Comitê de Política Monetária] foi assertivo ao elevar rapidamente os juros, antes de outros países, mas a comunicação era que o ajuste seria parcial, então o entendimento é que ainda ficaríamos em ambiente estimulativo no fim do ciclo. Além disso, é difícil adotar guidance [sinalização dos próximos passos] em um ambiente extremamente volátil, não ajuda”, diz.
“Eu acho que a autoridade monetária vai ser questionada, com o segundo descumprimento e um eventual terceiro em 2023, mas do outro lado da balança pesam fatores que tiram essa pressão sobre o BC. Estamos em um momento muito singular, muitas coisas estão fora da alçada do Copom”, ressalta André Galhardo, economista-chefe da consultoria Análise Econômica.
Na visão do professor de economia da FGV-SP Marcelo Kfoury, a credibilidade do BC seria afetada se a inflação ficasse acima do teto da meta também em 2023. “Não sei como a classe política vai reagir também. Além disso, o regime de metas [de inflação] exige uma boa justificativa para quando fica fora do intervalo, então agora temos fatores externos e choques, mas o crescimento das expectativas para os próximos anos pode ser um problema”, afirma.
Para Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, o crescimento das expectativas para 2023 e 2024 mostram “alguma dúvida com relação à capacidade do BC de entregar na meta”. “A autoridade monetária, especialmente a gestão atual, é muito técnica e sem dúvida preza pela credibilidade. O desvio não é tão grande, então vai depender das próximas ações”, afirma.
Quando a inflação fica fora do intervalo (para cima ou para baixo) determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o presidente do BC precisa escrever uma carta aberta ao ministro da Economia com justificativas para o descumprimento. O documento é enviado sempre em janeiro do ano seguinte, assim que o IPCA fechado de dezembro é divulgado.
Caso a inflação realmente estoure o limite superior em 2022, o atual titular do BC, Roberto Campos Neto, terá que escrever a segunda carta consecutiva em quase quatro anos de gestão. No ano passado, o IPCA fechou em 10,96%, bem acima da meta de 3,75%. Desde a criação do regime de metas de inflação, em 1999, apenas o ex-presidente do BC Henrique Meirelles teve que se justificar duas vezes seguidas.
Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/05/09/bc-preserva-credibilidade-mesmo-sem-cumprir-meta-de-inflacao-dizem-economistas.ghtml acessado em 09/05/2022.