Dólar fecha abaixo de R$ 5 pela primeira vez em mais de um ano
Ata do Copom em tom mais duro dispara rodada de revisões da Selic e reflete na moeda
Por Victor Rezende, Marcelo Osakabe e Felipe Saturnino
A perspectiva de uma trajetória de alta mais firme para a taxa Selic levou o dólar ontem a fechar abaixo dos R$ 5 pela primeira vez em mais de um ano. A moeda encerrou o dia cotada a R$ 4,9661. De quebra, o real se tornou também a divisa de melhor desempenho contra o dólar em 2021.
A moeda brasileira vem em contínua recuperação desde meados de março, refletindo uma série de fatores externos e internos. Entre eles, destacam-se a alta dos preços das commodities, a subida da Selic, a redução dos temores fiscais e indicadores de atividade econômica e arrecadação melhores que o esperado, além do avanço da vacinação.
No entanto, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem, deu um empurrão extra para que o dólar caísse abaixo de R$ 5 veio. Se diversos analistas já haviam revisado seus cenários após a decisão do BC na semana passada, o documento de ontem reforçou no mercado a perspectiva de trajetória mais firme para as taxas de juros. O resultado refletiu na dinâmica dos ativos, com o avanço das apostas em uma elevação de um ponto percentual na Selic em agosto, e levou o dólar ao menor patamar desde 10 de junho de 2020.
Não por acaso, a ata também teve impacto relevante no mercado de juros: a taxa do DI para janeiro de 2022 saltou de 5,61% para 5,73% no fechamento, em um dia de giro bastante expressivo, já que mais de 1 milhão de contratos para esse vencimento foram negociados ontem na B3.
Na quarta-feira passada, o Copom elevou a taxa Selic em 0,75 ponto, para 4,25% ao ano. O comunicado daquele dia sinalizou outra alta de 0,75 ponto na próxima reunião, mas deixou a porta aberta para um aumento de 1 ponto.
Para economistas do Itaú Unibanco, a ata divulgada ontem indica “um ritmo mais rápido de normalização monetária, que o Copom pretende que seja completa, ao invés de parcial”. Em outras palavras, na leitura deles a Selic subirá de forma mais acelerada para a retirada total dos estímulos. Com isso, o banco passou a projetar uma elevação de 1 ponto em agosto e aumentou a estimativa para a Selic no fim do ciclo de 6% para 6,5% – nível que deve ser alcançado em outubro. Já o Bank of America mudou sua projeção de 6,5% para 7% neste ano e passou a contemplar duas altas de 1 ponto – em agosto e em setembro.
O mercado de opções de Copom também já indica chance majoritária de elevação de 1 ponto da Selic em agosto. Ontem, a aposta em um aumento dessa magnitude estava em 58%, enquanto a possibilidade de alta em 0,75 ponto perdeu força e passou a ser de apenas 25%.
A Genoa Capital, que já havia alterado seu cenário após a decisão do Copom, acredita que a ata reforçou a chance de aceleração do ritmo de altas. “O BC mostrou que está completamente comprometido com entregar a inflação na meta em 2022, ou seja, a mensagem dele é para que os analistas ajustem a projeção de Selic porque ele vai mirar na inflação na meta no ano que vem”, afirma Igor Velecico, economista-chefe da gestora.
O profissional nota três pontos na ata que mostraram um tom um pouco mais duro em relação ao comunicado. “O primeiro foi o cenário de atividade, quando o Copom diz que o Focus já está mais otimista do que o seu cenário-base”, afirma. Outro ponto foi que já houve uma discussão, na semana passada, sobre acelerar o ritmo de alta embora os dirigentes não tenham visto problema em relação à comunicação feita anteriormente. “E, por fim, a ata mostrou que a assimetria do balanço de riscos justifica uma trajetória menos estimulativa do que no cenário básico.”
Assim, na visão da Genoa, o Copom pode entregar duas elevações de 1 ponto percentual na taxa básica e mais uma de 0,75 ponto em outubro, encerrando o ciclo com a Selic em 7%. Velecico, contudo, ressalta que o cenário tem se mostrado bastante fluido. “O Copom passou um indicativo do que está vendo hoje, mas em 45 dias a visão dele pode mudar e sofrer ajustes conforme os dados saiam”, diz.
Diante dos riscos relacionados à crise hídrica e ao aumento dos preços de energia, a probabilidade de uma piora das expectativas de inflação é maior, avalia Marco Maciel, sócio e economista da Kairós Capital, que também espera uma alta de 1 ponto em agosto. “A ata me fez ficar com a impressão de que tem muito trabalho a ser feito para domar as expectativas”, diz.
Para ele, o Copom mitigou preocupações com algum efeito desinflacionário advindo de uma recuperação mais lenta. Maciel observa, ainda, que há uma preocupação da autoridade com a crise hídrica e com uma eventual aceleração da inflação de serviços. “Esses fatores contribuem com a piora das projeções de inflação de 2021 e aí não dá para pensar que acaba na virada do ano ou no primeiro trimestre de 2022”, alerta.
O economista-chefe da Reach Capital, Igor Barenboim, afirma que, na ata, o Copom não está disposto, ao menos neste momento, a elevar a Selic acima de 6,5%. Ele ressalta que as projeções do modelo com uma taxa de 6,25% no fim do ano já deixam a inflação de 2022 ancorada. “Mas, como eles destacam que o risco para a inflação é altista por causa da questão fiscal, me parece que o natural seria promover mais três altas de 0,75 ponto percentual, mirando os 6,5%”, afirma.
Barenboim chama a atenção para o objetivo secundário do BC, de fomentar o emprego e suavizar oscilações na atividade econômica, como um fator que deve influenciar a postura do colegiado. “Colocar o juro acima de 6,5% significa ter uma política contracionista, o que implica em retrair a atividade. Seria um erro elevar a Selic para esse patamar porque, no nosso cenário, não temos uma recuperação econômica forte e sustentada, mas uma retomada cíclica, com um desemprego gigante”, enfatiza.
Apesar das incertezas, o cenário de juros mais altos beneficia o real não apenas porque eleva a perspectiva de diferencial de juros com o exterior – um dos principais componentes de atratividade de qualquer moeda -, mas também porque indica que isso acontecerá de forma mais rápida.
Na semana passada, o dólar chegou a furar os R$ 5, mas rapidamente voltou a ser negociado acima desse nível. O motivo foi a decisão de juros do Federal Reserve (Fed), que reviveu temores de retirada antecipada de estímulos e fortaleceu o dólar globalmente.
“O Fed atrasou um pouco essa reprecificação [do dólar abaixo de R$ 5]. No entanto, a leitura da ata acabou prevalecendo e, acredito que, com a moderação no discurso de dirigentes do Fed desde então, esse novo patamar deve se sedimentar”, afirma Sergio Zanini, sócio e gestor da Galapagos Capital.
O profissional enxerga chance de o dólar ceder a R$ 4,70 ainda neste ano, a depender da evolução do cenário para a inflação nos EUA. “Com uma Selic perto de 6,50%, é possível sim. Vejo um risco de cair ainda mais”, acrescenta, citando projeções que colocam o barril de petróleo em US$ 100. “Sabemos que é uma questão delicada para o governo. Se isso realmente se materializar, pode criar um risco inflacionário importante.”
O diretor de investimentos da TAG, Dan Kawa, afirma que, com uma Selic próxima de 7% no fim do ano, o Brasil voltará a sustentar um dos diferenciais de juros mais expressivos entre os mercados emergentes mais líquidos, o que deve beneficiar o real. “Olhando ex-post, é possível que a moeda brasileira tenha exibido esse desempenho abaixo dos pares justamente porque os juros estavam em patamar errado”, pondera.
Com a alta da Selic na semana passada, o Brasil deixou para trás México e África do Sul na lista dos mercados emergentes que pagam mais juros nominais, ficando atrás de Rússia (5,50%) e da Turquia (19%). Nas projeções do Bank of America, o real deve tomar o segundo lugar do rublo já no terceiro trimestre.
Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/06/23/dolar-fecha-abaixo-de-r-5-pela-primeira-vez-em-mais-de-um-ano.ghtml acessado em 23/06/2021.