Em 2021, política fiscal terá papel principal no suporte à economia

Em 2021, política fiscal terá papel principal no suporte à economia

Após injeção global de US$ 25 tri como resposta à pandemia, estímulos de BCs e governos tendem a ceder

Por Gabriel Roca, André Mizutani e Rafael Vazquez, Valor

A pandemia do novo coronavírus colocou o ano de 2020 na história, não só por provocar uma das maiores crises sanitárias do planeta, mas por exigir uma resposta rápida e vigorosa de governos e bancos centrais sem precedentes: a injeção de US$ 25 trilhões, entre políticas monetárias e fiscais, segundo levantamento do Bank of America (BofA). Em 2021, os estímulos tendem a ser menores, até por conta da expectativa de avanço da vacinação no mundo, mas caberá à política fiscal o papel fundamental, especialmente no curto prazo, de evitar uma desaceleração ainda mais forte da economia no início do ano.

Especialistas consultadas pelo Valor apontam que os bancos centrais vão ter um protagonismo menor no suporte à economia no ano que vem. Com juros perto de zero ou negativo nas principais economias do mundo e programas de compras de ativos bastante elevados, eles estão ficando “sem munição”. Na avaliação do chefe de economia global do BofA, Ethan Harris, mais apoio por parte dos governos é fundamental no curto prazo, já que ele estima que os bancos centrais fizeram cerca de 95% do que podiam. “Você precisa de uma ponte para lidar com essa última rodada da crise de covid-19. E não podemos contar com os bancos centrais para fazer este trabalho. Eles estão com pouca munição”, diz.

A relevância do debate sobre uma nova rodada de suporte governamental à economia ficou evidente nas últimas semanas, quando os investidores globais acompanharam de perto as negociações por um novo pacote de estímulos fiscais em Washington. Atualmente, a proposta que está sendo discutida alcança os US$ 900 bilhões, e inclui uma nova rodada de pagamentos em dinheiro para os americanos, além dos pagamentos semanais de US$ 300, herdados dos projetos anteriores.

Harris diz que a ausência da aprovação de novas medidas de estímulo nos EUA pode provocar uma contração econômica no primeiro e no segundo trimestre de 2021. Na Europa, que já deve registrar uma retração no quarto trimestre devido às medidas para conter a pandemia, a fraqueza econômica pode se estender para o primeiro trimestre do ano que vem, caso medidas fiscais não sejam aprovadas no continente.

“A questão aqui é concluir o processo de recuperação e fornecer uma ponte para um período de maximização. As principais economias do mundo estão enfrentando um período de fraqueza econômica, com o inverno no Hemisfério Norte, a escalada real da pandemia e mais medidas de contenção acontecendo”, afirma.

A visão de protagonismo da política fiscal é compartilhada pela estrategista global do J.P. Morgan Asset Management, Gabriela Santos. De acordo com ela, são os governos que precisam aprovar seus estímulos agora, porque os bancos centrais já fizeram o que podiam. “O [Federal Reserve] não consegue tapar esse buraco, porque ele não tem as ferramentas necessárias. O próprio presidente do Fed, Jerome Powell, tem dito isso várias vezes nos últimos meses”, diz.

No mesmo sentido, a estrategista-chefe de renda fixa nos EUA do Société Générale, Subadra Rajappa, afirma que o Fed não conseguiria substituir o espaço deixado para trás pela política fiscal. “A questão é o que o Fed pode fazer, e o quão efetivo isso seria. Eles têm muitas ferramentas à disposição, mas a questão é se elas serão efetivas para ajudar a economia com o que ela está enfrentando neste momento. Anunciar mais QE [afrouxamento monetário] ou a extensão das compras de ativos não ajudaria de maneira significativa as pessoas que estão desempregadas neste momento.”

Apesar da expectativa de um começo de 2021 ainda com a crise pesando sobre as economias, o início da vacinação maciça nos países desenvolvidos deve contribuir para uma recuperação mais sustentada nos principais mercados do mundo. Com as perspectivas de um crescimento mais robusto e níveis de inflação ainda muito deprimidos por conta do choque provocado pela pandemia, o ano deve ser de relativa tranquilidade para os principais BCs do mundo.

De acordo com Gabriela, do J.P. Morgan, a economia não deve receber mais um empurrão vindo de estímulos em 2021, “mas isso é diferente de retirar o apoio”. Ela diz acreditar que, para os bancos centrais das economias desenvolvidas, o suporte monetário não deve ser retirado até pelo menos 2024, que é quando devem acontecer os primeiros aumentos de juros.

“A perspectiva para o próximo ano, do ponto de vista da economia, é que você estará no início da expansão, em que tipicamente há forte crescimento e baixa inflação”, diz Harris, do BofA. “Portanto, não acho que os bancos centrais farão muito. As únicas ações a serem tomadas serão tentativas modestas de garantir que você não tenha uma venda acentuada no mercado de títulos. Os BCs vão ficar cada vez mais confortavelmente no modo de espera.”

Harris também refuta a ideia, amplamente especulada por parte dos agentes financeiros, de que a combinação de estímulos monetários e fiscais deve gerar pressão inflacionária nos próximos anos. “Para que as políticas monetária e fiscal criem inflação, o primeiro passo é criar uma economia totalmente recuperada para, em seguida, haver um aumento dos preços, o que ainda está distante neste momento. Uma alta da inflação seria altamente improvável”, argumenta.

O BNP Paribas também vê uma dinâmica de preços comportados no curto prazo. No entanto, segundo o chefe global de estratégia para mercados emergentes no BNP Paribas, Gabriel Gersztein, o cenário base de inflação baixa pode abrir caminho para novas pressões por estímulos sobre os bancos centrais no ano que vem. “Acreditamos que há forças estruturais que continuam puxando a inflação para baixo”, afirma, citando a maior propensão das pessoas de poupar do que de consumir em meio ao ambiente de crise, além da tendência de maior automação incentivada pela pandemia e desemprego mais alto.

“Os bancos centrais vão estar de prontidão. Se os dados econômicos não vierem conforme o esperado, com uma pressão mais desinflacionária do que inflacionária e uma recuperação aquém do esperado, as autoridades vão, sim, aumentar os estímulos”, acredita Gersztein.

As preocupações dos analistas, no entanto, são maiores com os mercados emergentes. Para Harris, haverá uma disparidade entre os países desenvolvidos e os emergentes em relação à distribuição de vacinas. “Alguns mercados emergentes devem demorar mais para obter a vacina. Isso significa um período ainda mais longo de restrições à atividade”, diz. Esses países, de acordo com ele, são muito mais vulneráveis do que os mercados desenvolvidos quando se trata de crise de dívida e tolerância dos investidores globais.

É isso que, na avaliação de Gabriela, do J.P. Morgan, faz a retirada de estímulos fiscais ser mais urgente no mundo emergente. “Nos países emergentes, essa retirada de estímulos fiscais é uma questão mais urgente. São só os países desenvolvidos que podem se dar ao luxo de não se preocupar com a retirada de todo esse apoio fiscal”, diz.

A recuperação também deve ter tempos diferentes em cada país, de acordo com ela. “O exemplo principal é a China, que foi o único país com uma recuperação em V, com uma economia que já está 2% maior do que no começo do ano”, afirma. Ela espera que a recuperação nos EUA chegue no fim de 2021, na Europa, em 2022 e na América Latina, apenas em 2023.

Fonte: https://valor.globo.com/

https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/12/20/em-2021-politica-fiscal-tera-papel-principal-no-suporte-a-economia.ghtml acessado em 22 de Dezembro de 2020.

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