Expectativa para Selic se torna mais restritiva
Juros em alta impõem viés de baixa para o PIB de 2022
Por Victor Rezende, Anaïs Fernandes e Marcelo Osakabe
Passada a decisão do Banco Central (BC), o mercado já avalia que o ciclo de aperto monetário pode ser ainda mais intenso do que o esperado anteriormente. As expectativas de uma taxa Selic em 9% ou acima desse nível no fim do ciclo ganharam fôlego adicional e, em compensação, as projeções para a atividade econômica em 2022 se mostram cada vez mais fracas.
Em levantamento realizado ontem pelo Valor com 75 instituições financeiras e consultorias, a mediana das estimativas para a Selic no fim do atual ciclo de alta de juros aponta para a taxa em 8,75%.
Do total, 44% esperam que o juro básico termine o ciclo em 9% ou mais. Para efeito comparativo, na pesquisa realizada na semana passada, com 99 casas, 27% esperavam que a taxa ficasse entre 9% e 10% no fim do ciclo conduzido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC.
Para analistas, a própria comunicação da autoridade monetária deu aval à possibilidade de um ciclo mais longo. No comunicado da decisão, o Banco Central apontou que “o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado que o ciclo de aperto monetário avance no território contracionista”.
“A decisão confirma o nosso cenário, com uma Selic terminal de 9,5% sendo atingida só no ano que vem. O atual processo inflacionário realmente demanda uma taxa mais restritiva”, afirma o economista-chefe da Occam, Paulo Val. “O risco é o de as expectativas de 2022 continuarem piorando. Será preciso alongar o ciclo para se contrapor a esse movimento.”
Na avaliação da Occam, o cenário de inflação irá demandar uma continuidade do aperto monetário para que uma piora das expectativas inflacionárias de médio prazo seja evitada. Val, porém, observa que a estratégia adotada pelo Copom – de não acelerar o ritmo de aumento dos juros – “já tem embutida, em alguma medida, uma convergência um pouco mais lenta da inflação para a meta”.
Para o superintendente de pesquisa econômica do Santander, Maurício Oreng, o Copom indicou que a variável de ajuste para eventuais surpresas no cenário do Copom será, provavelmente, o orçamento de altas totais da Selic. “Por ora, dadas as simulações de inflação e o balanço de riscos enviesado para cima, é possível que o plano de voo atual inclua uma Selic terminal em algo entre 9% e 9,5%”, observa o economista em relatório a clientes.
Para Oreng, isso significa um objetivo maior para o ciclo de aperto monetário em relação à reunião de agosto do Copom, o que refletiria “a deterioração das condições e perspectivas da inflação nas últimas semanas”. O Santander, por enquanto, mantém a projeção de Selic em 8,5% no fim do ciclo, mas destaca que continua a perceber riscos de alta, embora não veja, por ora, o juro básico em dois dígitos.
Com o ciclo de elevação da Selic rumo a níveis restritivos, os impactos na atividade tendem a ser relevantes. Assim, o Valor também questionou economistas de mercado sobre as projeções para o crescimento econômico neste ano e em 2022. Se, em pesquisa realizada no início do mês a mediana apontava para uma alta de 1,7% no Produto Interno Bruto (PIB) do próximo ano, agora o ponto médio das 75 estimativas coletadas é de um PIB de 1,5%.
“É inegável que o balanço de riscos para o crescimento é assimétrico para baixo. No nosso cenário, não vemos um efeito permanente da crise hídrica nem consideramos muito ruído político, mas os vetores de risco estão todos na direção de um crescimento menor”, avalia Val, da Occam, que projeta uma expansão de 1,7% em 2022.
O economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, também espera um crescimento de 1,7% no próximo ano e avalia a projeção como “relativamente modesta”, pois cerca de 1% já está “contratado” pela herança estatística.
“Para dar 1,7%, basta crescer 0,2% por trimestre, o que é uma taxa muito modesta. Poderia ser bem melhor”, diz Rocha, ao mencionar como desafios os juros mais altos, a corrosão da renda de famílias mais pobres pela inflação e as incertezas eleitorais, que podem atrapalhar planos de investimentos. “Um balanço dessas coisas todas, se não me deixa ficar muito pessimista, também não me deixa muito otimista”, afirma.
Na sua visão, projeções de PIB na casa de 0,5% em 2022, no entanto, “parecem muito pessimistas”, porque exigem queda da atividade na margem, “o que não parece muito razoável hoje”, diz.
Em relação à política monetária, a JGP defende que o BC terá espaço para desacelerar o ritmo de altas em dezembro e, assim, a Selic terminaria o ano em 8% e o ciclo, em 8,5%. “Esse nível de 8,5% já é bem restritivo em termos de taxa de juros. Quando a inflação estiver caindo e chegar a 4%, digamos, no ano que vem, vamos estar com um juro real de 4,5%, sendo que a gente acredita que o juro neutro, hoje, está mais para 2,5%”, diz Rocha.
Na avaliação do economista-chefe do MUFG Brasil, Carlos Pedroso, “ao falar explicitamente em patamar contracionista, o BC vai ao encontro de uma Selic terminal entre 8,5% e 9%, como parte do mercado projeta, nível que já afeta a atividade econômica”.
Atualmente, a projeção do MUFG aponta para a Selic em 8% no fim deste ano e em 8,5% em 2022.
Para o economista-chefe da Reach Capital, Igor Barenboim, a autoridade monetária precisará explicar mudanças no comunicado que deixaram os participantes do mercado com a pulga atrás da orelha. Ele cita, em especial, a parte em que o Copom explicita o compromisso de levar os juros ao campo contracionista.
Barenboim, que já foi secretário-adjunto de Política Econômica no Ministério da Fazenda, diz que as mudanças reforçam o plano de voo traçado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao indicar que não reagiria a dados de alta frequência. “Foi como disse Ilan [Goldfajn, ex-presidente do BC], em entrevista ao Valor: a autoridade monetária não tem que ficar correndo atrás do mercado. Sabemos que o mercado segue tendência, está todo mundo tomado [apostando na alta] em juros. O BC não pode ficar acompanhando isso.”
Na visão de Barenboim, a boa política monetária deve suavizar a volatilidade do PIB e da inflação. Para ele, se as recentes revisões para baixo nas projeções de crescimento de 2022 foram o estalo para a mudança na postura do BC, a autoridade monetária precisa deixar isso mais claro, o que pode ocorrer na próxima semana com a divulgação da ata da decisão e do Relatório de Inflação. “O BC precisa responder o que entende por ‘whatever it takes’ [o que for necessário] agora. Precisa explicitar se vai perseguir o centro da meta ano que vem ou se será esse IPCA de 3,7%.” (Colaborou Felipe Saturnino)
fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/09/24/expectativa-para-selic-se-torna-mais-restritiva.ghtml acessado em 24/09/2021.