Fintechs usam FIDCs para expandir crédito
Nova regra da CVM permitirá acesso a pessoas físicas e criará os primeiros títulos ‘verdes’
Por Juliana Schincariol
Os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) vêm se consolidando como uma ferramenta de financiamento para fintechs, no momento em que a Agenda BC#, do Banco Central, favorece a desbancarização do crédito e o aumento da oferta por outros participantes do mercado. Ao mesmo tempo, estão em curso mudanças para modernização das regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que deve permitir o acesso de pessoas físicas ao instrumento a partir de 2022. Um caso recente é o da fintech Provu, que levantou R$ 1,4 bilhão por meio um FIDC, tendo o Goldman Sachs como cotista sênior.
Os FIDCs completam 20 anos em dezembro. Em 2021, cresceram 25% até agosto, ante retração de pouco mais de 7% dos fundos de renda fixa como um todo, diz o sócio-diretor da gestora Solis, Ricardo Binelli, citando dados da Anbima. O patrimônio atual é de R$ 261 bilhões, 14% abaixo do resultado em 2019, quando atingiu R$ 304 bilhões. Binelli defende a capacidade dos FIDCs de geração de retorno “consistentemente acima da média”, mas reconhece que são subutilizados, especialmente por problemas do passado que marcaram negativamente parte da indústria.
Entre os mais conhecidos está o da gestora Silverado, alvo de denúncias de fraude em 2016. Antes disso, também houve casos como Cruzeiro do Sul, Panamericano e BVA. “O problema não é do instrumento, era das partes envolvidas”, defende Binelli.
Fundos de pensão e gestoras que compraram estes títulos ainda não se sentem confortáveis para retomar investimentos. “Na minha leitura, depois da instrução 531, o grande problema, que era conflito de interesse, foi substancialmente mitigado”, diz, referindose a aperfeiçoamentos de regras da CVM em 2013.
A indústria teve um impulso a partir de 2018, quando Banco Central definiu as regras para as sociedades de crédito direto (SCDs) e as sociedades de empréstimo entre pessoas. As SCDs são o modelo mais abraçado pelas fintechs, que por meio dele têm permissão para ofertar crédito, mas não para captar depósitos.
Assim, créditos originados se limitam ao capital social da empresa ou deverão ser cedidos. Além disso, em 2015, as entidades registradoras surgiram para fortalecer as atividades dos FIDCs, mitigando riscos de duplicidade e fraude.
Na CVM, a expectativa é que as novas regras sejam implementadas em 2022. Se as mudanças correrem dentro do esperado, os FIDCs poderão ser acessados por pessoas físicas. A revisão da CVM também deve regular os FIDCs socioambientais, que deverão ter ao menos metade de suas alocações em direitos creditórios que gerem benefícios socioambientais. Assim, este poderá ser o primeiro ativo com “rótulo” ESG (sigla para fatores ambientais, sociais e de governança) oficial e padronizado.
“Houve casos emblemáticos de fraudes, mas, há alguns anos, o mercado passou por um movimento de limpeza. A CVM está modernizando a legislação, seja para facilitar o financiamento das fintechs, seja para a abertura de produtos mais adequados com a realidade atual, e com legislação mais atualizada”, afirma o sócio da Hectare Capital, Lucas Elmor.
Em recente operação, anunciada nesta quarta-feira, a Provu (antiga Lendico), fintech especializada em crédito pessoal e meios de pagamento, levantou R$ 1,4 bilhão através de um FIDC. Pela estrutura do título, o Goldman Sachs será o cotista sênior, o que lhe garante uma participação minoritária na Provu. Será possível trabalhar mais a oferta de crédito, racionalizar custos de captação e aprovar financiamentos para mais clientes, disse o presidente da fintech, Marcelo Ramalho.
“Os FIDCs são uma ferramenta importante para as fintechs terem acesso ao mercado de capitais e sustentarem suas operações de crédito]”, disse Ramalho. Além da capacidade de gerar mais empréstimos, a fintech usará o fundo do Goldman Sachs para ampliar o crédito no Provu Parcelado, meio de pagamento digital semelhante ao antigo crediário. A empresa também recebeu aval do BC para atuar como SCD. A Provu já originou ao longo da sua história, desde 2015, mais de R$ 700 milhões em empréstimos, e as taxas variam de 1,99% a 7% ao mês.
“Essas fintechs conseguem trazer para o mercado de capitais carteiras que antes ficavam só nos bancos”, diz a gestora das carteiras de crédito da Ibiuna Investimentos, Vivian Lee. A análise é complexa e envolve o histórico dos recebíveis, registro, controles, concentração do crédito e operações com partes relacionadas. Muitas vezes essas carteiras são muito pulverizadas.
Os fundos que investem em FIDCs, mesmo voltados a investidores qualificados, podem alocar até 20% dos recursos nestes títulos, mas a maioria não alcança esse teto, diz Vivian. Por isso, a possibilidade de pessoas físicas investirem nestes títulos não dará um impulso automático. “Não existe demanda reprimida a este ponto. Os gestores de FIDCs poderão acessar um público maior, e há produtos de baixo risco”, completa.
Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/11/17/fintechs-usam-fidcs-para-expandir-credito.ghtml acessado em 17/11/2021.