Inflação sem alívio já leva mercado a ver Selic mais alta
Para analistas, Copom deve elevar taxa básica em 1 ponto nesta semana, mas maioria vê Selic mais alta no fim do ciclo de aperto
Por Felipe Saturnino e Victor Rezende
Em suas três últimas decisões, o Copom promoveu elevações de 1,5 ponto percentual na Selic, mas sinalizou que, no encontro desta semana, deveria diminuir a magnitude da alta. Com o juro básico em 10,75%, o mercado comprou a sinalização da autoridade monetária e, de 93 instituições financeiras consultadas pelo Valor entre os dias 10 e 11 de março, 82 esperam que a Selic seja elevada em 1 ponto percentual, para 11,75%.
O agravamento do cenário inflacionário, porém, fez nove casas projetarem aumento de 1,25 ponto, enquanto duas – Austin Rating e UBS BB – acreditam que o comitê irá manter o ritmo de elevação dos juros em 1,5 ponto na reunião de quarta-feira.
Apesar disso, está claro para o mercado que o cenário se agravou significativamente. O Valor também consultou as instituições sobre a inflação deste ano e de 2023. A pesquisa, conduzida na quinta feira, abarcou revisões de cenário que ocorreram a partir do reajuste de preços de combustíveis pela Petrobras e após nova surpresa observada no IPCA de fevereiro. Se, no levantamento anterior, o ponto médio das estimativas indicava a inflação em 5,2% neste ano, agora a expectativa é de que o IPCA fechará 2022 em 6,5%.
Cabe lembrar, porém, que a reunião do Copom desta semana deve ser a última em que o ano-calendário de 2022 continuará contemplado no horizonte relevante para a atuação da política monetária. A deterioração das expectativas de 2023, que passam a ter mais importância, também aciona um sinal de alerta. Em fevereiro, a mediana indicava o IPCA em 3,4% no fim do próximo ano e, agora, o ponto médio das projeções está em 3,8%.
Parte do mercado também ajustou suas estimativas para a Selic e passou a ver uma taxa mais alta à frente. No levantamento do Valor, a mediana de 91 projeções coletadas aponta para a Selic em 12,75% no fim do ciclo (ante 12,25% na pesquisa anterior).
Parte relevante do mercado, porém, acredita que o juro básico pode chegar a, no mínimo, 13% – o que é defendido por 44 casas (48,3% do total).
“Quando pensamos o desenho da política monetária daqui em diante, vemos que o BC está lidando com uma inflação cada vez mais persistente”, diz o chefe de pesquisa econômica para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda. “Com um novo choque em cima de uma inflação corrente já alta e as expectativas de inflação acima da meta, o que o BC deve fazer é continuar em ação, e isso significa elevar os juros por mais tempo.” Na semana passada, o banco francês elevou a projeção para a Selic de 12,25% para 13,25% no fim do ciclo, que se daria em junho. “Não é uma grande mudança de cenário, é 1 ponto percentual a mais de alta. Acredito que se trate de um ajuste para o BC coordenar as expectativas de inflação e evitar a transmissão desses choques por toda a economia”, explica Arruda.
Apesar da deterioração do cenário inflacionário, a grande maioria dos agentes continua a ver uma alta de 1 ponto na Selic nesta semana como o movimento mais provável. É o caso do economista-chefe da Apex Capital, Alexandre Bassoli, que projeta o juro básico em 12,75% no fim do ciclo atual.
Embora ressalte que a política monetária “ainda tem bastante trabalho para fazer a inflação convergir para as metas”, Bassoli ainda espera uma desaceleração do ritmo de elevação da Selic, de 1,5 ponto para 1 ponto, ao considerar o efeito defasado dos juros.
“Nós já avançamos bastante no ciclo aqui no Brasil e, considerando as incertezas, parece razoável essa diretriz do Copom de produzir uma desaceleração no ritmo de alta. Mas ainda tem trabalho a ser feito”, enfatiza.
O economista lembra que o Copom já tinha falado em “próximos ajustes”, no plural, e, no contexto atual, há uma sugestão de que a alta a ser efetuada nesta semana não será a última. “Temos pelo menos mais uma pela frente. Eu esperaria pelo menos mais duas”, diz. Segundo Bassoli, a probabilidade de uma extensão do ciclo tem aumentado, pois os números de inflação no Brasil mostravam dinâmica desfavorável mesmo antes do conflito, o que tende a se agravar.
Na B3, o mercado de opções digitais apontava, na tarde de sextafeira, 66% de chance de elevação de 1 ponto na Selic agora em março. Essa possibilidade, contudo, já chegou a ser de mais de 90%. Além disso, o mercado passou a embutir probabilidades mais altas de um aumento de 1,25 ponto (20%) e de uma alta de 1,5 ponto (15%).
“Na nossa ótica, mesmo com o cenário de choques mais perenes, o BC tem um orçamento total mais limitado para subir juros, dado o estágio adiantado do ciclo”, avalia Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest. “Faz sentido agir conforme o planejado e reduzir a dose do ajuste.”
Embora também aponte para uma desaceleração no ritmo, a economista-chefe da Panamby Capital, Tatiana Pinheiro, observa que boa parte dos fatores advoga a favor da manutenção do ritmo.
“A inflação surpreendeu para cima; as expectativas continuaram a ser revistas para cima; os preços das commodities em reais também aumentaram, a despeito da apreciação do real; até a atividade econômica veio um pouco melhor que o esperado… São indicadores que vão no sentido contrário a uma redução do ritmo de ajuste.” Um foco de atenção dos investidores, no atual ambiente de incerteza eleva, será a sinalização do Copom para os próximos passos. Há quem avalie que seria mais prudente o colegiado antecipar uma nova desaceleração de ritmo para a reunião de maio. É o caso de Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, para quem o BC deverá voltar a enfatizar, como na última reunião, a defasagem da política monetária e, também, atribuir peso à transitoriedade do choque no balanço de riscos da inflação.
“As projeções do cenário de referência do BC vão mudar significativamente, mas ele tem que supor alguma reversão do choque de commodities até o fim de 2023, que é o horizonte que ele olha. Se não for assim, estaremos pensando em níveis de Selic acima de 13%, eventualmente, e isso contrataria um sacrifício muito grande para a atividade”, avalia Honorato. O Bradesco aumentou, na última semana, sua previsão de Selic no fim de ciclo, de 11,75% para 12,75%, mas o economista espera ajustes mais moderados dos juros à frente para que haja tempo de o Copom observar os efeitos na economia.
Além disso, o profissional afirma que o BC deve ressaltar o combate ao efeito secundário de um clássico choque de oferta como o atual. “Se não fizer isso, vai dar a entender que quer endogeneizar um choque externo de oferta, o que é como dizer que ele pretende combater plenamente esse efeito local da inflação global. Faz mais sentido, na verdade, dar ênfase ao combate aos choques secundários.”
Para Hirakawa, da AZ Quest, o que resta ao BC “é desacelerar o ritmo mantendo o tom ‘hawkish’ [inclinado ao aperto monetário] para as próximas reuniões. “O Copom tem que seguir vigilante, mas ele deve alongar o ciclo com doses mais moderadas de aperto porque as expectativas de inflação para 2023, mais baixas que as de 2022, passam a ser o foco exclusivo dele após a reunião desta semana”, diz.
Na outra ponta, o UBS BB passou a projetar elevação de 1,5 ponto percentual e Selic de 13,75%, diante do aumento dos preços de commodities e de energia, o que deve tornar a inflação deste ano e de 2023 maior que o anteriormente esperado e levar a uma normalização mais lenta dos preços relativos. Assim, é de “extrema importância” que nenhum banco central, em particular o brasileiro, permita que as expectativas de inflação se movam para cima, sob o risco de perder o controle, apontam os economistas em nota a clientes.
Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/03/14/inflacao-sem-alivio-ja-leva-mercado-a-ver-selic-mais-alta.ghtml acessado em 14/03/2022.