Mercado quer ‘comunicação dura’ do BC sobre inflação

Mercado quer ‘comunicação dura’ do BC sobre inflação

Na Anbima, consenso é de alta da Selic hoje, mas dose é dúvida

Por Lucas Hirata e Felipe Saturnino

O Banco Central tem, pela frente, o seu maior desafio desde que Roberto Campos Neto assumiu o comando da instituição em 2019. Em um momento de enfraquecimento da atividade e crise de confiança do país, o BC está sob pressão para iniciar o ciclo de aperto monetário e adotar um tom mais duro na comunicação para ancorar as expectativas de inflação, cuja pressão já começa a extrapolar para o ano de 2022.

“Todo mundo espera uma comunicação mais dura porque, realmente, as expectativas de inflação andaram muito rápido, especialmente nos últimos dois meses”, disse a economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi, em Live do Valor. Ao lado do economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, ela representou as visões dos 22 economistas que fazem parte do grupo consultivo macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades de Mercados de Capitais (Anbima).

Do começo do ano para cá, o comitê elevou a mediana das projeções para Selic de 3% para 4,5% no fim de 2021. No entanto, o que evidencia o momento de incertezas é o amplo intervalo das estimativas, que vão de 3,75% a 6% para a taxa básica neste ano.

O debate se estende, inclusive, para o tamanho da primeira alta – que deve ocorrer hoje. A maioria dos economistas do grupo considera alta de 0,5 ponto percentual da Selic, a 2,5%, mas uma minoria julga necessária elevação de 0,75 ponto e uma faixa menor ainda aposta em ajuste de 1 ponto. “O consenso no comitê é que o BC não vai brincar com a desancoragem das expectativas de inflação e vai atuar já… o dissenso é a dose que ele vai aplicar”, disse Vescovi.

“O sentimento do comitê é que há um dilema real. Ter de subir juros enquanto a economia se enfraquece é algo que ninguém gostaria, tampouco o Banco Central”, disse Honorato. No caso do grupo da Anbima, a mediana das projeções para o crescimento do PIB em 2021 caiu de 3,40% para 3,20% – com risco de resultado negativo no primeiro trimestre e expansão zero no segundo.

No entanto, ele afirma que houve mudança no ambiente global, que diminui a necessidade de estímulos extraordinários, o câmbio sofreu forte depreciação no Brasil com incertezas fiscais e expectativa de retomada no futuro com o avanço no processo de vacinação. “Todos nós fomos muito surpreendidos pela inflação em horizonte muito curto”, acrescenta.

Ex-chefe do Tesouro, Vescovi afirma, ainda, que o cenário internacional teve uma “mudança relevante” desde o encerramento de 2020, com a alta do juro americano e o fortalecimento do dólar, em meio à aprovação de um pacote de estímulos fiscais de US$ 1,9 trilhão nos Estados Unidos e outras medidas de socorro previstas para o setor de infraestrutura no segundo semestre.

“Essas pressões internacionais retiram a expectativa que a gente tinha até o fim do ano passado, que era de perda de valor relativo do dólar, e isso fecha a janela para os emergentes em termos de uma apreciação natural de suas moedas”, sustenta a economista.

Ao comentar sobre o desempenho do câmbio, o economista-chefe do Bradesco e coordenador do grupo da Anbima, Honorato, calcula que o real se desvalorizou perto de 38% desde o começo da pandemia enquanto a cesta de commodities, em dólar, subiu 25%. Essa composição resultou em alta de 72% no preço das matériasprimas em reais, o que denota o desafio do BC neste momento.

“É daqui que parte a discussão sobre o quão duro o BC deve ser. A maior parte do comitê quer ver o BC ser mais duro na comunicação e reafirmar o compromisso com a inflação no centro da meta, cujo horizonte vai se estendendo para 2022”, disse.

Dados colhidos pelo comitê mostram que a expectativa de inflação passou de 3,41% para 4,40% em 2021, acima do centro da meta deste ano, de 3,75%. Além disso, a estimativa para a taxa de câmbio saiu de R$ 5,10 para R$ 5,30.

Para Honorato, parte do choque de inflação terá de ser absorvido porque não daria tempo para o Banco Central evitar esse efeito em 2021, mesmo com uma rápida alta de juros. “Não dá tempo de fazer a inflação ficar no centro da meta no ano calendário. Então, o BC tem de alongar o horizonte”, disse o economista chefe do Bradesco.

Esses são componentes que também devem constar na comunicação. “Os modelos do BC devem indicar que, para entregar o centro da meta do ano que vem, a Selic teria de chegar a 5,5%. É mais do que os 2% que temos hoje e a projeção de 4,5% do comitê para o fim deste ano. Para o ano que vem, o comitê tem projeção próxima de 5,5%.”

Nesse sentido, o grupo consultivo da Anbima discute se o BC deveria, inclusive, remover todo o estímulo da Selic. “Houve debate no comitê com ex-diretores do BC sobre apenas normalizar ou ser mais duro”, diz Honorato, ponderando que a discussão considera se o tipo da inflação no Brasil hoje é de caráter transitório ou perene.

O profissional vê uma piora nos núcleos de inflação, mas não na magnitude dos dados cheios. Adiciona-se a isso a grande incerteza sobre a pandemia e efeitos na atividade, além de como será o comportamento do câmbio após a aprovação da PEC Emergencial, observa ele. “Isso recomenda que a comunicação seja dura, mas ex-ante diga que planeja retirar parcialmente estímulos, não apertar a economia”, disse Honorato. “Como as incertezas aumentaram, a expectativa é que o BC seja ainda mais dependente de dados.”

Durante a live, os economistas também falaram sobre o risco de dominância fiscal hoje na economia brasileira. “Uma vez que você comenta sobre o risco de dominância fiscal quer dizer que tem uma dominância fiscal latente, que não é de agora e vem desde a crise de 2014”, diz Vescovi. “Conseguirmos sair do risco de dominância fiscal depende de aprovação de reformas para que fique mais claro que a dívida vai ter sustentabilidade”, acrescenta.

Honorato, por sua vez, afirma que a dominância não estará em curso no Brasil mesmo com uma Selic em patamar bem mais alto. No entanto, alerta sobre os riscos à frente. “Não estamos em um processo de dominância fiscal, nem os economistas do comitê acham que se formos a uma Selic de 6% já nos coloque nisso, tampouco houve movimento muito grande de revisão de juro neutro. Mas isso está condicionado à política fiscal do presidente da República e o debate econômico para 2022 e pós-2022.”

fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/03/17/mercado-quer-comunicacao-dura-do-bc-sobre-inflacao.ghtml acessado em 17/03/2021.

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