Mercados devem enfrentar turbulência
Para analistas, declarações de Bolsonaro criam receio de mudança na política econômica
Por Lucinda Pinto, Lucas Hirata e Marcelo Osakabe
Apertem os cintos, que o dia promete muita turbulência. A crise que começou com o reajuste do preço dos combustíveis e a provável mudança na direção da Petrobras extrapolou a companhia depois que o presidente Jair Bolsonaro prometeu mais medidas de intervenção do governo na economia. Essa fala contamina a percepção de risco Brasil, o que deve se traduzir em alta do dólar e dos juros de longo prazo, e na queda da bolsa, ainda com Petrobras liderando as perdas.
“Até sexta-feira, era uma crise com efeitos restritos às ações da Petrobras. Depois da fala de Bolsonaro, virou algo mais amplo, que deve fazer o dólar e os juros de longo prazo subirem”, resume o sócio e gestor da Novus Capital, Luiz Portella. “Agora o mercado todo reage ao medo de haver uma guinada da política econômica.”
É difícil prever a intensidade das perdas de hoje. Até porque, o ambiente internacional é muito favorável e, em alguns momentos, consegue contrabalançar os efeitos negativos do noticiário local. Foi o que aconteceu na sexta-feira passada, quando o dólar caiu 0,99%, para R$ 5,3874, e o Ibovespa recuou apenas 0,64%, para 118.430 pontos, num dia em que Bolsonaro manifestou intenção de fazer algum tipo de ingerência após o reajuste de preços dos combustíveis. Mas, para dar uma ideia do que parte do mercado espera, pesquisa feita pela XP junto a gestores aponta para hoje uma queda de 2% do real, uma perda de 4% do Ibovespa e uma desvalorização de 10% das ações da Petrobras.
“A deterioração da percepção de risco se acentua, em razão da adoção de medidas intervencionistas e da visão de enfraquecimento das posições do Paulo Guedes no governo”, afirma Sergio Goldenstein, consultor independente e estrategista na Omninvest e ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do BC. Para ele, não se vê disposição do Congresso e do governo para a adoção de medidas sólidas que permitam a volta ao trilho do equilíbrio fiscal no médio prazo. “O foco está apenas nas eleições de 2022”, acrescenta.
Dessa forma, o resultado desse imbróglio tende a ser a desvalorização dos ativos financeiros, além do recuo dos indicadores de confiança do empresário e do consumidor. “O resultado final acaba sendo mais inflação e recuperação lenta da atividade, o que pode estimular a adoção de mais medidas populistas. A natureza do escorpião não muda.”
O momento de desconfiança perpassa até a capacidade de o ministro da Economia, Paulo Guedes, colocar a economia nos trilhos. “Guedes parece o violinista do Titanic. Continua tocando para nos acalmar, os passageiros do navio naufragando. Resiliência dele é de fato impressionante, como falou o [exsecretário de desestatização] Salim Mattar, mas não sei se vai ajudar muito daqui para frente”, escreveu Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total, no Twitter.
“Muitos investidores acabaram seduzidos pelo discurso do Guedes, mas os fatos vêm mostrando a opção do presidente do país pelo populismo econômico”, afirma Goldenstein. Para ele, a interferência “agressiva” em uma estatal listada na bolsa é mais um capítulo de uma narrativa que já contava com “falta de empenho pelas reformas, posições contrárias às medidas voltadas ao equilíbrio fiscal e favorecimento a determinados grupos”.
Bolsonaro criticou o mercado financeiro pela reação à sua decisão de mexer no comando da Petrobras. E disse que vai “meter o dedo” na energia elétrica.
“É um choque de realidade para o mercado que ainda sonhava com uma agenda construtiva”, afirma o gestor de um fundo multimercado. Nos últimos dias, parte do mercado vinha melhorando sua visão sobre o cenário local por causa dos sinais de entendimento entre o novo comando do Congresso e o Ministério da Economia. Mas, para esse profissional, agora fica “mais difícil acreditar que o governo vai defender reformas que mexam com interesses de grupos organizados se ele nem enfrenta os caminhoneiros”.
Para outro profissional, a postura do governo no caso da Petrobras coloca a perder um cenário otimista de alinhamento entre Poderes. “Logo agora que o mercado estava animado com a vitória de Lira e Pacheco, com esperança de andamento de reformas, o presidente cria um caos.”
Para o diretor do ASA Investments, Carlos Kawall, a decisão de Bolsonaro de mexer no comando da Petrobras é “desastrosa” e desfaz anos de esforços para recuperar a credibilidade não só da empresa, mas também do governo e da economia brasileira. Em sua opinião, a crise aberta na estatal com a interferência do presidente também não se esgota com o ato, uma vez que o nome de Luna e Silva e eventuais alterações na política de preços precisam ser debatidos dentro do conselho de administração.
Para o economista, essa foi uma “decisão errada na hora errada, criando turbulência onde não tinha e lançando cada vez mais dúvidas sobre capacidade de conseguir restaurar condições de credibilidade do ponto de vista da condução da política econômica”.
Para Portella, da Novus, o que poderia trazer algum alento ao mercado e diminuir o efeito negativo nos próximos dias seria a apresentação de um texto mais positivo da PEC Emergencial, com contrapartidas à extensão do auxílio emergencial. E também declarações por parte de Guedes, que ainda não se manifestou nesta crise. “O cenário externo é muito positivo, e se houver algum sinal mais favorável de atenção ao fiscal, pode até haver um fluxo comprador, aproveitando os preços muito baixos dos ativos.”
De todo modo, até lá, a reação do dólar deve trazer uma pressão adicional para a alta dos juros. “O mercado vai pedir um aumento da Selic superior a 0,5 ponto em março”, diz Portella.
Para Goldenstein, da Omninvest, a elevação da taxa básica de juros em março ajudaria a reforçar a credibilidade da autoridade monetária. “A curva de juros já precifica aumento acima de 30 pontos-base na reunião do Copom de março. Não elevar a Selic seria um tremendo tiro no pé, mais um, e o ideal é que o ajuste inicial seja de 50 pontos-base, o que reforçaria a credibilidade do BC e diminuiria a probabilidade de deterioração das expectativas de inflação”, diz. “O efeito do câmbio sobre a inflação foi subestimado, em 2020, pelo BC e por alguns analistas. Junte-se a isso o agravamento do quadro fiscal e a elevação lenta, mas contínua, das expectativas de inflação para 2021”, afirma.
fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/02/22/mercados-devem-enfrentar-turbulencia.ghtml acessado em 22/02/2021.