Real tem fôlego para seguir em alta
Moeda permanece distante do valor justo; eleições e exterior limitam movimento
Por Felipe Saturnino e Marcelo Osakabe
A substancial recuperação do real ainda pode ter algum caminho a percorrer até o fim do ano. O movimento, segundo analistas consultados pelo Valor, continuará a ser sustentado pela perspectiva de novas elevações da Selic, commodities em alta e risco fiscal controlado.
Para economistas das instituições que mais acertam as projeções de câmbio de médio prazo da pesquisa Focus, do Banco Central, como o J.P. Morgan, a divisa pode até, inclusive, testar romper o patamar de R$ 5 ao longo dos próximos meses, caso o atual cenário se mantenha.
Ontem, o dólar fechou em baixa de 0,12%, a R$ 5,222, equilibrando um ambiente externo mais favorável a moedas emergentes com o tom mais brando que o esperado do Banco Central.
Isto ocorre em um momento em que muitas casas calculam o câmbio justo (valor expressado pelos termos de troca e o passivo externo de um país) perto dos R$ 4,50 por dólar, bem distante do atual nível. “O real estava quase 30% desvalorizado no início de abril, portanto, fechou essa lacuna significativamente no mês passado”, observa Martin Castellano, responsável pelo departamento de pesquisa econômica do Instituto de Finanças Internacionais (IIF) para América Latina. “Ainda assim, continua subvalorizado 15%”, acrescenta.
Há meses, os analistas vêm notando que o câmbio se desvalorizava a despeito da melhora dos fundamentos externos, como o déficit de conta-corrente, que se comprimia, e os preços das commodities, que chegavam a picos inéditos desde o último superciclo. Talvez não por acaso, os termos de troca do Brasil estão no maior nível desde 2011, ainda segundo o IIF.
Alguns fatores desencadearam essa convergência somente agora. “Em primeiro lugar, diria que as altas da Selic”, diz Carlos Carranza, responsável pela estratégia da América Latina do J.P. Morgan, instituição que lidera o Top 5 de médio prazo do câmbio da Focus. “O Brasil está liderando o movimento dos juros entre os emergentes. Nenhum outro país elevou tanto o juro nesses últimos dois meses tanto quanto o Brasil, exceto a Turquia, que trocou o comando do BC”, diz. “Isso coloca a atenção dos investidores globais de volta ao Brasil, melhora o diferencial de juro em relação ao exterior, encarece e reduz as apostas contrárias ao real.”
A virada da política monetária, combinada com a redução dos ruídos políticos e certa estabilização do ambiente externo, abre espaço para a convergência do real com os fundamentos. Sócio e economista da Kairós Capital, Marco Maciel lembra que o país deve sair de um déficit em conta-corrente de cerca de R$ 50 bilhões em 2019 para registrar superávit em 2021. “O que temos pela frente é uma consolidação da conta-corrente, seja porque as exportações aumentaram em quantidade e os preços dos produtos exportados têm subido, seja porque, do lado da conta financeira, a alta da Selic conseguiu tornar o diferencial de juro brasileiro relativamente atraente de novo.”
A melhora no balanço de pagamentos, os preços dos commodities nas alturas e a redução da volatilidade do real podem levar o dólar a R$ 5,10 até meados de junho, diz a Kairós, também integrante do Top 5 de abril. E até poderia ir além – Maciel calcula um câmbio de tendência do Brasil de R$ 4,37 -, mas entende que a queda deve perder força e o dólar retornará aos R$ 5,20 até o fim do ano.
“Devemos ter a votação do Orçamento para 2022, o que pode criar alguma preocupação e temperar a volatilidade do câmbio, e o começo da discussão das eleições de 2022”, explica ele.
Sobre o peso da elevação do juro na apreciação do real, Maciel pondera: “A Selic sozinha não faz mágica. Subir juro com descalabro fiscal não adiantaria muito”.
Do outro lado, ainda que partilhe da visão de que o dólar se manterá em baixa no curto prazo e que a taxa de câmbio está distante do preço justo, Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, outra integrante do Top 5, adota visão mais pessimista sobre a moeda. Calculando o valor justo do câmbio a R$ 4,50, não fossem riscos fiscal e eleitoral, ele prevê que o dólar fechará o ano a R$ 5,60. Vale afirma a queda do dólar teve amparo tanto em fatores locais, como a postura mais “hawkish” (favorável à retirada dos estímulos monetários) do Copom, como internacionais, como a continuidade do discurso “dovish” (favorável à manutenção de estímulos) do Fed.
Esses fatores, no entanto, já estão nos preços, bem como a expectativa de aceleração da vacinação e a retomada da economia brasileira, que diminuem a pressão pela ampliação de gastos públicos. “Mas os riscos à frente permanecem os mesmos no âmbito fiscal e político. Então, não se trata de uma apreciação duradoura”, pondera. “Estamos falando de um cenário político conturbado para 2022, em que o teto de gastos vai entrar em debate e isso pesará sobre a trajetória da moeda brasileira”, diz.
Carranza, do J.P. Morgan, entende que o investidor global – com participação relevante no mercado brasileiro – não irá antecipar essa discussão eleitoral antes do fim do ano. Ao invés disso, ele vê como risco à atual dinâmica uma alta dos juros nos EUA antes do planejado, o descontrole da inflação em países emergentes e também qualquer novo ruído fiscal.
É a provável manutenção do atual cenário que ancora a visão construtiva do analista. “O BC vai continuar a elevar os juros e o dólar deve continuar a se enfraquecer. Não vejo essas duas condições mudando”, afirma. “Em situações como essa, moedas ‘high-beta’ [com sensibilidade maior] como o real se valorizam mais que a média dos pares. Então é possível dizer que há espaço para a moeda brasileira ultrapassar os demais”, diz.
Castellano, do IIF, entende que o entrave à apreciação maior do real virá da pressão de alta sobre o retorno dos Treasuries, à medida que a economia dos EUA reabra. Tal fenômeno “poderia desafiar as moedas dos mercados emergentes e provocar um forte aperto da política monetária em alguns casos”, afirma o especialista, que projeta o dólar a R$ 5,10 no fim de 2021.
fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/05/12/real-tem-folego-para-seguir-em-alta.ghtml acessado em 12/05/2021.